O Conto de Dois Pássaros




   Era uma vez um lugar que já fora de se morar.

   Depois do caos do antigo inquilino, um urubu amargurado e mal amado, consegui alugar o espaço novamente.

   Foi numa noite de lua cheia, um passarinho gentilmente bateu na porta.

   Aparentemente, aquele Sabiá voava durante a noite e o dia, ansiando pelas belezas que a vida queria mostrar.

   Cantava de forma suave como uma brisa e o peito aberto que retumbava como uma orquestra de frevo em dia de festa.

   Voava como um balançar de uma sanfona e suas penas brilhavam como a magia da Asa Branca.

   Não era um pássaro qualquer, era uma ave cheia de magia.

   Os olhos doces de um rio, abençoados por Mãe Yara, não traziam nada mais do que a própria alma, pedindo gentilmente por uma morada, pois voava há tanto tempo sem parar, que as asas ficaram cansadas. 

   Abri a porta bem pouquinho, pois estava desconfiada. E mesmo que estivesse tomada pela curiosidade, não podia me confiar em outra ave.

   Pedi desculpas pela bagunça, mas ele não pareceu se importar, dizendo que precisava de um lugar, mesmo que não soubesse se iria ficar. 

   Não julgou a bagunça, nem os espelhos quebrados. Não olhou com tristeza pra os cacos, muito menos para os sofás rasgados. 

   Pelo contrário, se admirou com a leveza das cortinas e andou como se fizesse uma rima daqueles versos desgarrados escritos nas paredes e que percorriam meu corpo como as minhas próprias estigmas. 

   Disse ter me encontrado pelo acaso, ainda que estivesse de mãos dadas com o destino, mesmo que ainda cercado de misticismo, não acreditasse no motivo. 

   Ele me incentivou a limpar o local, tirar a poeira dos lugares, jogar fora todos os cacos e criar coisas novas. Pouco a pouco, o estranho triplex perdeu o aspecto que possuía, e se tornou meu lar.

   O Sabiá me ensinou que, na verdade, apesar dele ter me ajudado a organizar o caos, fui eu que fui forte o bastante para me desfazer daqueles cacos que achei merecer.

   Mesmo tão bem cuidado e aconchegante, ofereci a ele uma doação, já que ele tinha cuidado de tudo com tanto carinho... mas ele então me entregou as chaves e me aconselhou que aquela era a minha casa e que eu que deveria cuidar dela, assim como fazer morada, e que qualquer um que viesse, estaria de visita e que poderia ficar, desde que cuidasse bem do lar e que eu não deixasse mais entrar quem quer que quisesse destruir e quebrar outra vez todo o meu calmar.

  Então, num dia de Sol e Lua Cheia, assim como tudo começou, o Sabiá esticou as asas descansadas e beijou minha testa em agradecimento quando ofereci não mais uma doação, mas uma vivência, assim como uma caneca de chá; quando ofereci as palavras em meu corpo, assim como as letras nas paredes; quando mostrei a magia do pôr do sol visto da janela, assim como o pôr da Lua; quando pela primeira vez ofereci para ali também ser a morada do seu lar.

   O passarinho sorriu e beijou minha testa com carinho, para depois esticar as asas gigantes e dizer educadamente que precisava voltar a voar.

   Suavemente como chegou, levantou voo ainda da porta, depois de ter cuidado tão docemente da minha casa.  

   Como um bicho que nasceu com asas ficaria em um só lugar?  Nasceu livre demais para permanecer em uma única árvore, e, logo eu que passei tantos anos em uma jaula, não podia impedir aquelas asas de se abrirem, mesmo que aqui ele pudesse ter todo o espaço para esticá-las, ainda que não soubesse.

   E foi naquele triplex que havia em minha mente, que retomei a propriedade e fiz daquele espaço que havia tido tanta tristeza o meu amável e feliz lar. 

   O passarinho me ensinou que o lugar não estava tão inutilizado quanto eu imaginava e que era só preciso um pouco de carinho para pôr tudo no lugar.

   Mesmo que eu seja um beija-flor na árvore da vida, não posso abandonar aquilo que com tanto carinho e afeto depois de tantas dores e percalços, se tornou o meu amar.

   Nobre Passarinho, se voares pelo lado de cá, não esquece de vir visitar. Prometo te fazer chá e te contar a aventura que foi me reencontrar lar

Thyaly Diniz

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